'Detetives' de golpes: como trabalham mulheres que desmascararam golpistas por conta própria
13, fevereiro 2023
Scammers do amor criam perfis falsos para seduzir e extorquir mulheres em apps de namoro e redes sociais. Criminosos têm script e trabalham em quadrilhas internacionais. Dinheiro
LG Rodrigues / G1
Já imaginou ser abordada pela pessoa dos seus sonhos, nutrir uma relação virtual por meses e, ao final, sair disso com trauma psicológico e prejuízo financeiro (que pode chegar a quase R$ 1 milhão)? É o que vivem as vítimas do golpe do amor.
Ele funciona assim: uma pessoa (ou quadrilha) se passa pelo homem perfeito, ilude as vítimas e começa a extorqui-las com histórias mentirosas.
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Com boletins de ocorrência que muitas vezes não dão em nada e vítimas que preferem não levar os casos à polícia, pessoas comuns começaram a investigar, por conta própria, esses golpistas.
São as investigadoras e os investigadores de esquemas e fraudes que usam a internet para seguir o rastro deixado pelas quadrilhas especializadas em crimes online.
Uma dessas investigadoras é Glauce Lima, que investiga apenas os scammers do amor. Eles roubam fotos e vídeos de uma pessoa – geralmente americanos ou canadenses –, montam um perfil em sites de relacionamento ou no Instagram, abordam mulheres, iniciam uma relação à distância e passam a pedir dinheiro para as mais diversas situações.
Segundo a Glauce, 90% desses perfis são montados por nigerianos. A chamada “máfia nigeriana” atua no mundo inteiro, com laranjas nos países onde dão os golpes. São esses laranjas que abrem e movimentam as contas bancárias para as quais as vítimas fazem as transferências.
Ela tem contato com vários policiais e militares do Brasil e dos Estados Unidos e já desmascarou um monte de golpistas. A Glauce hoje tem um instituto para ajudar vítimas desses esquemas com advogados e psicólogos gratuitamente.
Aposentada cai no golpe do amor com criminoso que se passava por estrangeiro
Como tudo começou
Em 2011, uma amiga dela, alemã, foi vítima de um golpe: era a primeira vez que a Glauce tinha contado com o golpe do amor. Para arrancar dinheiro da vítima, o golpista (que dizia ser um engenheiro americano trabalhando em uma obra milionária) inventava histórias cada vez mais absurdas:
Na primeira vez que, ainda “muito envergonhado”, ele pediu um “empréstimo” a ela, disse que iria receber máquinas, mas o cartão estava com problema. E, se não pagasse naquele dia, iria perder não só as escavadeiras, mas também a obra. Ela mandou.
Depois, disse que o filho ficou doente e ele precisava de dinheiro emprestado para pagar o hospital. Dessa vez, ela também mandou.
Um mês depois, ele precisou fazer uma cirurgia de estômago. Ela, de novo, mandou.
Depois, disse que estava trabalhando em uma plataforma de petróleo, seu barco tinha sido invadido por piratas que queriam matar ele e sua única saída era, mais uma vez, recorrer a ela. Mais uma remessa enviada.
“São absurdos assim. Mas, infelizmente, a pessoa acaba se apaixonando e acaba caindo”, conta Glauce.
Para chegar até a prisão deste golpista específico, ela passou por 4 etapas. Veja a seguir:
Passo 1: a pesquisa
A partir dessa história, ela começou a pesquisar sobre esse tipo de golpe.
“Eu comecei a fuçar em grupos, Google, fazer pesquisas, né? E encontrei alguns grupos americanos. Eu entrei nesses grupos e lá eles tinham material muito grande sobre os golpes. Fiquei nesses grupos um bom tempo e, por meio deles, descobri alguns scammers e alguns grupos desses scammers”, conta.
Passo 2: a infiltração
“Aí eu montei esse perfil de um nigeriano e entrei nesses grupos para saber como eles trabalhavam, ver a dinâmica de quem era quem. Eu adicionava aquelas pessoas que eu sabia que realmente eram scammers, acabava ficando no círculo e amizade deles e sabendo tudo que eles postavam sobre os golpes”, narra.
Um parênteses: no meio do caminho, a desativação de perfis falsos
Depois de ter montado todo o esquema dos golpistas, foi a vez de passar para o outro lado. Ela criou um perfil falso no mesmo aplicativo de relacionamento que a amiga alemã tinha feito. Em questão de poucas horas, ela foi abordada por um suposto soldado americano com o mesmo perfil que os scammers costumavam usar.
Ela ‘deu corda’ e pedia sempre fotos e vídeos. Munida desse material, encontrou o perfil do pai do soldado da foto, contou a história a ele e pediu que ele a pusesse em contato com o filho. Em um ano, ela derrubou mais de 1,6 mil perfis falsos desse soldado no Facebook.
Passo 3: a emboscada
Gleice passou anos monitorando as atividades dos golpistas e estava em três grupos diferentes onde as quadrilhas se organizavam. Então, ela sugeriu que a amiga continuasse falando com o golpista, mesmo depois da perda financeira e do abalo emocional, para tentar rastreá-lo.
“Minha amiga já tinha confrontado que a foto que ele estava usando, aquele nome a localidade onde ele dizia que estava não eram reais porque nós localizamos a pessoa verdadeira. Então, ele acabou se revelando pra ela, falou que era nigeriano, mandou fotos dele e estava até fazendo chamada de vídeo, ensinando ela falar inglês.”
Ele estava muito confiante na paixão dela e no romance dos dois. Para manter a conversa e ganhar mais ainda a confiança dele, a alemã continuava mandando algumas das coisas que ele pedia.
Passo 4: a prisão
A essa altura, elas já tinham várias informações sobre ele: nome, idade, cidade onde morava e até o endereço da agência de correio onde ele retirava os ‘presentinhos’.
Glauce mandava de 30 a 40 e-mails por dia para polícia da Nigéria, com um verdadeiro dossiê do golpista, mas era ignorada. Então, ela resolveu apostar tudo.
“No meio de 2017, fui pra Alemanha, montei o processo e mandei pra eles. Eles me responderam no mesmo dia e, na semana seguinte, nós conseguimos prender o rapaz”, conta.
Não foi passe de mágica.
A polícia nigeriana pediu a ela para montar um pacote com mimos, como se fosse enviar para ele. Mas orientou que ela enviasse a uma agência específica e avisasse o golpista quando a encomenda chegasse. A polícia rastreou o pacote e monitorou a agência. Quando ele foi retirar, foi preso na hora.
Apesar da prisão, a vítima não conseguiu reaver o dinheiro perdido.
Outros perfis
“No Brasil, a vítima que perdeu mais dinheiro entre as que me procuraram foi lesada em R$ 890 mil”, conta Glauce.
Ela recebe muitas pessoas em seu Instituto. As mulheres são maioria e geralmente a procuram quando o estrago já foi feito.
Os golpistas costumam usar alguns roteiros:
É militar, está em missão de paz e precisa de dinheiro pra se manter;
É empresário, fechou um negócio incrível, mas precisa de uma quantia emprestada;
É médico e está em uma missão num país remoto;
É engenheiro e está trabalhando em uma plataforma de petróleo;
Achou um tesouro e vai mandar para a pessoa, mas precisa que ela pague uma taxa de alfândega;
Vai enviar um presente para a pessoa, e também precisa da taxa da alfândega.
Também existe o “golpe da novinha”, que acontece, geralmente, com homens. De acordo com o delegado Alessandro Barreto, os golpistas, também por aplicativo ou Instagram, costumam pedir fotos íntimas. E, depois, ameaçam as vítimas. Eles também podem pedir dinheiro e presentes.
Como agir?
Se você está conversando com alguém que conheceu em aplicativo, Facebook ou Instagram e tenha um comportamento como o que foi narrado aqui, busque a polícia e faça um boletim de ocorrência. “Isso ajuda a mostrar que tem algo errado e para onde eles precisam olhar”, diz Glauce.
Fonte: G1