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De R$ 20 bilhões para R$ 43 bilhões: entenda a dívida da Americanas

20, janeiro 2023

Valor dobrou de tamanho em pouco mais de uma semana e deve ser endereçado no plano de reestruturação a ser apresentado pela companhia. Fachada das Lojas Americanas em Franca, no interior de SP.
IGOR DO VALE/ESTADÃO CONTEÚDO
O escândalo contábil reportado pela Americanas há pouco mais de uma semana continua como um dos principais assuntos do mercado — e a história ainda deve ter novos desdobramentos.
Após a Justiça do Rio de Janeiro aceitar o pedido de recuperação judicial feito pela companhia na quinta-feira (19), a empresa entrou no chamado “prazo de blindagem”, um período de 180 dias no qual todas as suas dívidas ficam suspensas.
Segundo informado pela varejista, o valor total de suas dívidas soma R$ 43 bilhões, entre cerca de 16,3 mil credores. Esse montante, no entanto, é muito maior do que os cerca de R$ 20 bilhões reportados pela companhia como dívida bruta no balanço do terceiro trimestre de 2022.
Entenda abaixo como essa quantia mais do que dobrou de lá para cá.
O que são as inconsistências encontradas pela Americanas?
Em comunicado divulgado ao mercado na última semana, a varejista relatou que foram descobertas “inconsistências em lançamentos contábeis” em seus balanços financeiros no valor de R$ 20 bilhões. Veja a cronologia dos fatos.
Em conferência feita na manhã seguinte ao comunicado, Sergio Rial, presidente da Americanas que deixou o cargo menos 10 dias depois de ser empossado, explicou que o número não estava fora do balanço. “Só que ele não está registrado de forma apropriada ao longo dos últimos anos”.
Segundo especialistas, o rombo aconteceu por meio de uma linha de crédito conhecida como “risco sacado”, que faz uma triangulação entre a empresa, seus fornecedores e uma instituição financeira.
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A operação de “risco sacado” pode funcionar de duas maneiras: com o fornecedor sendo o tomador de crédito — nesse caso, ele é quem se dirige ao banco e oferece as notas fiscais que ainda tem a receber, pedindo uma antecipação desse pagamento para a instituição financeira —, ou com a empresa sendo a tomadora de crédito — que, até onde se sabe, foi o que aconteceu no caso da Americanas.
Nesse último cenário, a empresa é quem se dirige ao banco, pedindo uma espécie de alongamento da dívida. Isso significa que a instituição financeira quita o contrato do fornecedor em nome da companhia — que, por sua vez, passa a dever a quantia para o banco, com a cobrança de juros, mas com um prazo maior de pagamento.
E qual foi o erro cometido pela Americanas?
No caso da Americanas, o erro estaria na identificação desses gastos no balanço. Isso porque nas demonstrações financeiras, cada conta é reconhecida de um jeito.
Nessa situação, por exemplo, a operação envolve tanto uma transação comercial com fornecedores, como uma transação financeira com o banco, e precisa ser identificada das duas formas, inclusive acrescentando o valor dos juros cobrados pela instituição — e foi nessa última parte que o erro foi encontrado.
“O que parece é que, quando a Americanas foi reconhecer a operação no balanço após o pagamento ao banco, ela tirou a dívida que tinha com o fornecedor das ‘contas a pagar’, mas não reconheceu os juros da operação de crédito devidamente no balanço”, explicou uma analista que pediu anonimato.
Esse montante lançado de forma errada no balanço seria equivalente a R$ 20 bilhões e é o que responde pelas “inconsistências contábeis” reportadas pela companhia.
O pulo para os R$ 43 bilhões
Apesar de a Americanas ter reportado R$ 20 bilhões como dívida bruta no terceiro trimestre de 2022, a companhia informou no pedido de recuperação judicial feito à Justiça na quinta-feira (19), que o valor de suas dívidas era de R$ 43 bilhões, entre cerca de 16,3 mil credores.
Segundo os especialistas, essa quantia representa a soma da dívida bruta que a empresa já havia reportado no balanço do terceiro trimestre de 2022, de cerca de R$ 20 bilhões, com o total das inconsistências contábeis encontradas recentemente, de valor semelhante. Os R$ 43 bilhões são, portanto, o valor total que a Americanas considera dever às instituições financeiras.
Com o deferimento do pedido de recuperação judicial pela Justiça no Rio de Janeiro, a expectativa é que a empresa apresente a primeira versão de um plano de reestruturação em até 60 dias, com as principais medidas a serem tomadas para balancear sua estrutura de capital.
Houve fraude?
Segundo os especialistas entrevistados pelo g1, o caso da Americanas ainda está em apuração por parte da Comissão de Valores Mobiliários(CVM) – que já tem sete processos administrativos abertos e chegou a criar uma força-tarefa para investigar eventuais irregularidades.
De acordo com o professor e especialista em negócios Fernando Moulin, parte do que explica os rumores que existem no mercado sobre uma possível fraude e má-fé por parte da companhia é o fato de os juros terem sido reportados de maneira inadequada no balanço.
Ele explica que o registro equivocado desses valores fez com que o lucro da Americanas fosse maior e ficasse mais alto do que realmente seria caso os números estivessem reconhecidos de maneira correta nos resultados.
“Agora, ao reconhecer essa despesa maior, a empresa acaba sendo afetada, porque a diferença é tirada do patrimônio líquido da organização. Por isso que o mercado começou a falar que ela ficou com o patrimônio negativo, porque o valor que ela tinha como patrimônio era muito menor do que essa dívida”, explica.
Segundo a CVM, os processos administrativos abertos contra a Americanas vão apurar:
eventuais irregularidades envolvendo informações contábeis;
eventuais irregularidades na divulgação de notícias, fatos relevantes e comunicados;
eventuais irregularidades nas negociações com ativos de emissão da companhia;
denúncias recebidas pelos canais de atendimento da CVM;
a conduta da companhia, acionistas de referência e administradores;
a atuação de intermediários no processo de ofertas públicas envolvendo ativos da companhia;
a atuação das agências de classificação de risco de crédito em relação à Americanas.
Em nota, a CVM informou que caso as investigações e apurações de fatos e eventos se mostrem ilícitas, “cada um dos responsáveis poderá ser devidamente responsabilizado”. A autarquia ainda disse ter o apoio da Polícia Federal e do ministério Público Federal, além de estar “em constante diálogo com a Advocacia-Geral da União, notadamente a PRF2 [Procuradoria Regional Federal da 2ª Região], a fim de coordenar eventual atuação conjunta em juízo”.
O que diz a Americanas?
Em nota oficial enviada à imprensa, a Americanas afirmou que seguirá operando normalmente dentro das novas regras da recuperação judicial, “cujo um dos objetivos principais é a própria manutenção de empregos, pagamento de impostos e a boa relação com seus fornecedores e credores e investidores de forma geral”.
Para tanto, a empresa informou que o grupo de acionistas referência da empresa, formado pela 3G Capital Partners — dos sócios Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Hermann Telles —, informou ao presidente do conselho de administração que pretende manter a liquidez da Americanas em patamares que permitam o bom funcionamento da operação de todas as suas lojas.
“Através deste comunicado, pedimos o engajamento de todos os colaboradores nesta nova fase e principalmente dos fornecedores com quem temos relações históricas. A história da Americanas segue com determinação rumo a uma nova fase, com o compromisso com a sociedade e disposta a construir soluções que possam vir atender aos credores da empresa”, afirmou a empresa.

Fonte: G1