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'BNDES pode e deve expandir sua atuação de modo sustentável', diz Nelson Barbosa, novo diretor do banco

1, fevereiro 2023

Em entrevista ao g1, o ex-ministro da Fazenda diz que principal preocupação é que o BNDES consiga captar recursos a taxas razoáveis para atender à demanda de crédito neste momento da economia. 27/08 – O ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa fala como testemunha de defesa na sessão do julgamento final do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff
Marcelo Camargo/Agência Brasil
O ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa foi escolhido para tocar a diretoria de Planejamento Estratégico, de Saneamento, Transporte e Logística e de Energia do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Trata-se de uma área estratégica, que moldará projetos em áreas cruciais para a nova atuação do banco no terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente do Brasil.
É no financiamento de projetos de infraestrutura, sustentabilidade e inovação que a nova gestão do BNDES, capitaneada por Aloizio Mercadante, promete investir tempo e dinheiro. As atenções também estarão no crédito para micro e pequenas empresas, por vezes preteridas no mercado tradicional de crédito.
É neste rumo que especialistas apontam que o BNDES deve seguir. Mas ainda há desconfiança no mercado de que o BNDES e os demais bancos públicos possam ser usados como agentes de distorção ao subsidiar o crédito, ou que invistam em projetos controversos, como o financiamento de projetos internacionais.
Há também alguns sinais trocados. Após reunião nesta terça com a Febraban, Mercadante falou em “reduzir” a Taxa de Longo Prazo (TLP). Já Barbosa falou em “oferecer uma amplitude maior de possibilidades ao BNDES e aos clientes”.
“Nós estamos concentrados nesse debate sobre alternativas à TLP. Isso mantendo a TLP para as operações que já existem e entendendo se, para outros tipos de operação, não é melhor ter outra taxa de juros, seja atrelada Selic, ou a uma taxa de três anos, ou de prazo maior”, disse.
Os primeiros planos das novas equipes estão sendo, aos poucos, estruturados e divulgados. Nesta entrevista ao g1, Barbosa conta quais são as prioridades e primeiros desafios que os petistas encontraram para seguir com os planos.
Veja abaixo os principais trechos.
g1 – Que BNDES foi encontrado pelo novo governo?
Prefiro falar do que estamos planejando. Um dos desafios que nós temos é a reconstrução do papel do BNDES nessa realidade do século XXI. Requer financiamentos de longo prazo, adequado as características do nosso mercado de capitais — em parceria com o mercado, não em oposição — para áreas que precisam de uma atenção maior do governo. Principalmente a área de infraestrutura urbana, infraestrutura social e transição energética, que ainda precisam de algum incentivo, e que fazem jus ao incentivo pelos retornos que esses investimentos dão para o país como um todo.
É um desafio também pensar o BNDES como uma instituição que pode captar mais recursos, tanto no Brasil quanto no exterior. Nas últimas semanas já tivemos alguns anúncios de aportes internacionais. Por enquanto, de instituições oficiais em fundos administrados pelo governo brasileiro ou delegados para administração do BNDES — o Fundo Amazônia, o Fundo Garantidor do Setor Elétrico.
E também o desafio de repensar a TLP (Taxa de Longo Prazo), mantendo a taxa que existe hoje, mas incluindo outras taxas de juros para remunerar os recursos do Tesouro. Sem subsídio, taxas de mercado, mas que ofereçam uma amplitude maior de possibilidades ao BNDES e aos clientes.
g1 – Para que serviriam essas novas taxas?
A TLP, como foi criada, reflete uma das taxas de juros que o Tesouro paga. Ela procura seguir a NTN (Notas do Tesouro Nacional, um dos títulos emitidos pelo Tesouro) de 5 anos. Então, ela paga o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo, índice de inflação) mais uma taxa fixa. Para algumas operações, uma taxa de 5 anos é uma taxa adequada. Para financiamento de micro e pequenas empresas se utiliza muito a própria Selic.
O próprio Tesouro, nas operações que faz com BNDES, quando vai equalizar programas que ainda têm subsídio, não utiliza a TLP como referência, ele utiliza a Selic, que é mais vantajosa para operações de curto prazo.
Para outras operações, pode ser que seja uma taxa de 3 anos, de 10 anos. Então, esse outro desafio é iniciar essa discussão — em consulta com sistema financeiro, órgãos de governo, TCU (Tribunal de Contas da União) — e eventualmente, se houver uma sugestão que seja construtiva, submeter isso à análise do Congresso Nacional.
Isso amplia o leque de taxas de juros que remuneram o FAT (o Fundo de Amparo ao Trabalhador, cujos recursos são destinados ao BNDES para financiar programas de desenvolvimento econômico), e que servem como base para grande parte das operações do BNDES.
g1 – Algumas declarações soltas de ministros falavam em explicitamente em subsídios para setores de interesse, como o projeto de re-industrialização. Esse projeto substitui essa questão ou anda em paralelo?
Subsídios existem para o desenvolvimento regional, para agricultura familiar, para o semiárido. Vários fundos constitucionais operam com subsídio, mas esse é um assunto para o Ministério da Fazenda.
Nós fazemos sugestões, mas, no momento, nós estamos concentrados nesse debate sobre alternativas à TLP. Isso mantendo a TLP para as operações que já existem e entendendo se, para outros tipos de operação, não é melhor ter outra taxa de juros, seja atrelada Selic, ou a uma taxa de três anos ou de prazo maior.
Isso já acontece, por exemplo, nas operações internacionais do BNDES. Os recursos que são destinados ao financiamento de exportação estão remunerados por uma taxa que é a variação cambial mais um percentual fixo. É o chamado FAT Cambial.
g1 – Ao longo dos últimos anos, o BNDES enxugou bastante — o que foi bastante criticado pelo presidente Lula na semana passada. Qual o tamanho ideal para o papel do BNDES nesse novo projeto?
Não trabalhamos com um tamanho específico. É claro que houve um enxugamento excessivo do BNDES nos últimos anos, com uma retração muito grande em algumas operações. Parte disso foi atuação do próprio banco, parte foi a própria economia, com a recuperação pós-crise de 2016, e pelos efeitos da Covid.
Mas o BNDES pode — e deve — expandir suas atuações de modo sustentável do ponto de vista fiscal. O BNDES já vem fazendo isso com as micro e pequenas empresas. Pode fazer mais na área de infraestrutura, e principalmente com foco em re-industrialização.
Fazer isso em bases sustentáveis, captando a taxa de mercado, utilizando o espaço que o BNDES tem para fazer financiamento em complemento ao setor privado.
Em termos de tamanho, não se quer voltar ao BNDES com desembolsos recordes que houve durante o auge da crise de 2008 e 2009, mas também não com desembolso tão baixo quando a gente verificou um pouco antes da Covid, em 2018 e 2019.
O BNDES chegou desembolsar quase 4% do PIB por ano. Isso é considerado elevado. Hoje está desembolsando menos de 1% do PIB. Antes de tudo isso, a média do governo FHC era de 2% do PIB, o dobro do que é hoje.
Agora, isso não se faz do dia para noite e não depende só do BNDES. Depende da demanda, dos projetos. Eu acho que há espaço para aumentar, mas isso vai ser construído de modo sustentável e com foco nessas prioridades do século XXI: re-industrialização, transição energética e sustentável, apoio a reurbanização com cidades inteligentes, reciclagem, projeto de saneamento.
O foco vai mudando. O BNDES é um banco que, ao longo da sua história, já fez várias funções para economia brasileira. O banco da industrialização, o banco da infraestrutura e já foi até o banco das privatizações.
g1 – Falando em demanda, gerou burburinho a questão da Argentina. Por que o banco vai insistir no financiamento de projetos internacionais se há tanto potencial de investimento interno? E não é ruim para o banco apostar na Argentina, que deve ter dificuldades de garantir pagamentos, já que tem dívidas abertas em renegociação, como a do FMI?
De trás para frente: o apoio ao comércio exterior é uma das atividades-fim do BNDES. Tem uma longa tradição de financiar exportação de bens e de serviços. Hoje está mais focado em bens, já que exportação de serviços foi objeto de questionamento, de reavaliação.
Então, nesse momento a exportação de serviço não é uma atividade prioritária. Estamos tentando construir, junto com TCU e outros órgãos de controle, uma revisão das normas, adotando as melhores práticas internacionais, como as do governo americano os governos europeus, para aí reconstruir esses mecanismos.
Agora, o financiamento para a exportação de bens acontece. Ele continua acontecendo e você financia a produção de bens no Brasil, gerando empregos no Brasil.
Essa operação foi uma demanda do governo da Argentina, legítima para os interesses deles. A parte que teria financiamento hoje é de máquinas e equipamentos para construção desta obra. Seria uma exportação de bens de capital.
A demanda vai ser apresentada ao BNDES, como as demais. É uma atividade importante, que pode gerar empregos no Brasil e vai seguir as recomendações, os regulamentos usuais.
g1 – Ainda assim, a empresa brasileira pode tomar um calote no caminho, não?
O BNDES tem uma estrutura de compliance e risco bem desenvolvida. Estamos trabalhando para melhorar. Mas a maioria das operações do BNDES tem garantia, e te dou o exemplo da Americanas. As operações que o BNDES tinha com a empresa eram objetos de fiança bancária. O BNDES não perdeu um centavo nos financiamentos que ele fez para a Americanas.
Mesmo um conglomerado, antes percebido como de baixo risco, estava seguro por fiança, pelas políticas do BNDES. Nas operações internacionais, várias contam com garantia do Tesouro, então acho que essa discussão vale mais para o Ministério da Fazenda, se vale a pena ter ou não garantia do Tesouro para uma outra operação.
E todo negócio bancário implica risco. Ele só tem que ser bem administrado e a regulação brasileira é bastante avançada nesse sentido. Não creio que esse é um dos maiores desafios que nós temos nesse momento.
g1 – E qual é a principal preocupação?
Nesse momento, é conseguir captar recursos em taxas razoáveis para que o BNDES possa atender a demanda que se apresenta ao sistema financeiro como um todo.
Tem uma demanda muito grande por investimento reprimido e BNDES pode ter um papel importante nisso, junto com as outras instituições. Sempre em complemento às fontes financeiras de mercado. E até atuando para desenvolver mais as alternativas de mercado de longo prazo.
g1 – O ministro Fernando Haddad tem falado bastante de desenvolver concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs). Como o BNDES está inserido nesse processo?
O BNDES também atua como um estruturador de projeto. Entidades privadas e públicas podem procurar o BNDES para organizar concessões, PPPs ou delegação administrativa de alguns setores.
Existe uma carteira bem grande de concessão de parques, escolas, unidades básicas de saúde, rodovias, concessão de saneamento, resíduos sólidos, aeroportos e portos. Isso vem sendo feito desde os governos do PT e não parou, continuou durante o governo Temer e Bolsonaro.
Há um potencial bem grande de ser ampliado, principalmente massificando experiências locais para todo território nacional, na área social, saúde, educação e desenvolvimento urbano.

Fonte: G1