Uso de precatórios para pagamentos à União divide governo e afeta MS
Resistência do governo em aceitar precatórios está emperrando, por exemplo, a entrega de três aeroportos de Mato Grosso do Sul ao grupo espanhol Aena
A decisão da AGU (Advocacia Geral da União) de suspender o uso de precatórios como moeda em negócios com a União até segunda análise foi motivada por um bate-cabeça entre órgãos do próprio governo.
Documentos que embasaram o despacho do ministro Jorge Messias, aos quais o Painel teve acesso, mostram que ele foi orientado a tomar atitudes diferentes, por instâncias distintas.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), ligada ao Ministério da Fazenda, e a consultoria jurídica do Ministério do Planejamento defendem que, quando uma empresa apresenta os créditos, o governo precisa aceitá-los, independentemente de sua vontade ou conveniência.
Já a Procuradoria-Geral Federal (PGF), um dos braços da AGU, entende que é direito da União rejeitar a proposta se não lhe convier.
O entendimento da PGFN e do Planejamento teve o aval de setores técnicos da AGU, mas, no último dia 5, o consultor-geral da União, André Augusto Dantas Motta Amaral, discordou e recomendou ao ministro que ordenasse a paralisação dos casos. Segundo argumenta, sem regulamentação específica, abre-se espaço para questionamentos futuros na Justiça, o que poderia ocasionar prejuízos à União.
No último dia 5, Messias determinou a ministérios, agências reguladoras e demais órgãos que suspendam, até nova deliberação da AGU (Advocacia-Geral da União), a análise de pedidos para uso dos precatórios em transações com o governo. Também deu ordem para que não considerem quitados pagamentos feitos com esses papéis.
Precatórios são créditos de terceiros com a União, decorrentes de ações judiciais. Uma emenda constitucional promulgada pelo Congresso em 2021 permitiu que esses papéis fossem usados por empresas e cidadãos para pagar outorgas de concessões públicas, comprar imóveis federais e até adquirir participações em empresas estatais. O objetivo era reduzir o passivo crescente do governo, hoje em R$ 119 bilhões.
A aprovação da emenda movimentou a partir de 2021 o mercado de compra e venda de créditos de precatórios, ante as novas possibilidades de uso dos títulos. Para as empresas como concessionárias de serviços públicos, a aquisição dos papéis é vantajosa porque eles são oferecidos pelos credores originais com deságio, ou seja, por um valor mais baixo.
O governo teme o uso massivo porque isso pode acarretar em menor arrecadação. Em vez de pagar outorgas e fazer outras operações em dinheiro, as companhias apresentariam os títulos, que seriam abatidos da dívida pública.
AEROPORTOS EM MS
E por conta deste impasse, a entregua dos aeroportos de Campo Grande, Ponta Porã e Corumbá ao grupo espanhol Aena está emperrado. Depois da assinatura do contrato, em 28 de março, a previsão era de que a Aena passasse a administrar os aeroportos daqui a partir do último trimestre do ano. Mas, como o pagamento da outorga foi feito parcialmente em precatórios, agora não existe mais data para que isso ocorra.
E, no caso do aerporto de Campo Grande, não é apenas uma questão de troca de administração. É que o terminal de embarque da Capital teve as obras de reforma interrompidas e somente após a troca dos gestores é que os trabalhos devem ser concluídos.
Além dos três aeroportos de Mato Grosso do Sul, a empresa espanhola arrematou outros oito em 18 de agosto do ano passado, inclusive o de Congonhas, um dos mais movimentados do país. A estatal espanhola, que comprou a concessão da estatal brasileira Infraero, ofereceu R$ 2,45 bilhões pela outorga e parte desse valor foi pago em precatórios.
Por e-mail a assessoria da Aena informou no final de abril ao Correio do Estado que “o valor da outorga foi entregue, com um pouco mais da metade depositada em dinheiro e o restante apresentado em precatórios, como autoriza a PEC dos Precatórios. Todas as obrigações pré-contratuais foram cumpridas e o contrato foi assinado pela concessionária e pela agência. A Aena aguarda agora a declaração da eficácia do contrato, pela Anac. Caso haja impedimento com alguns dos precatórios apresentados, a concessionária vai estudar novas formas de pagamento, não sendo essa questão, de forma alguma, um impedimento para que corram os trâmites do processo de concessão”, informou a nota da Aena.
Fonte: Correio do Estado