Relatório da ONU: alienação parental é usada para manter violência contra mulheres e crianças
Documento em português foi disponibilizado pelo Coletivo de Proteção a Infância Voz Materna
O Coletivo de Proteção a Infância Voz Materna (CPI Voz Materna) disponibilizou recentemente a versão em português do Informe da relatora especial da ONU sobre Violência contra as Mulheres e Crianças, suas causas e consequências, Reem Alsalem. O documento, que será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos, analisa a ligação entre o litígio pela guarda das crianças, a violência e em particular a questão da alienação parental.
Intitulado Custódia, violência contra as mulheres e violência contra as crianças, o documento afirma que a violência doméstica é uma das violações de direitos humanos mais graves e generalizadas. “Embora os homens também possam ser vítimas de violência doméstica, as mulheres correm um risco muito maior e a dinâmica dos abusos é diferente no caso dos homens. Dada a prevalência de violência doméstica nos relacionamentos, a separação do agressor também pode ser um período muito perigoso para a vítima”, enfatiza.
De acordo com o texto, os tribunais tendem a subestimar a importância das acusações de violência doméstica e assumir suposições problemáticas, por exemplo, que a violência causa pouco dano à mãe ou à criança e que cessa com a separação. “Os Tribunais geralmente não entendem e subestimam as consequências da violência doméstica e seus efeitos nas crianças e tendem a priorizar e conceder o contato com o pai. Os membros do judiciário violam assim seu dever de proteger as crianças de qualquer dano e conceder ao pai abusador o acesso não supervisionado a seus filhos, inclusive em casos em que foi demonstrado que houve violência física ou sexual”, diz.
Alienação parental
A acusação de alienação parental tem um componente de gênero muito alto e é frequentemente usada contra a mãe, pontua o relatório. De acordo com o estudo Análise das Propriedades Psicométricas da Escala de Alienação Parental, de pesquisadora brasileira Paula Inez Cunha Gomide, a mulher foi acusada de alienação parental em 66% dos casos, em comparação com 17% dos casos em que os homens foram acusados, e os homens fizeram acusações mais infundadas do que as mulheres.
Em 2010, o Brasil promulgou a Lei nº 12.318, que define especificamente a alienação parental (artigo 2º) e prevê sanções que vão desde advertência ao genitor alienador até a retirada do poder parental, passando pela ampliação do contato dos filhos com o genitor alienado, aplicação de multas ao genitor alienador e inversão de guarda ao outro genitor.
Conforme aponta o relatório, um dos padrões sexistas do apelo à alienação parental é a caracterização da mãe como um ser vingativo e delirante em relação a seu parceiro pelos tribunais e peritos judiciais. “Em um grande número de casos, as mães que se opõem ao contato das crianças com o pai ou tentam restringi-lo, ou que expressam reservas, são consideradas pelos peritos como obstrutivas ou mal intencionada, o que reflete a tendência generalizada para culpar a mãe”, aponta o relatório.
O texto destaca que a alienação parental pode ter um impacto significativo nas decisões de guarda. Como exemplo, relata que nos Estados Unidos os dados mostram uma diferença significativa entre a porcentagem de mães e pais que perdem a guarda porque o outro genitor alega alienação parental. Quando o pai acusa a mãe da alienação parental, a guarda é invertida em 44% das ocasiões. Quando a situação é inversa, o pai perde a guarda em apenas 28% das vezes. Isto é, quando se alega alienação parental contra a mãe, ela tem o dobro de probabilidades de perder a guarda do que o pai. Esta situação significa que, de acordo com estimativas, 58 mil crianças americanas são designadas todos os anos a ambientes familiares perigosos.
No Brasil, em 2017, uma Comissão de Investigação Parlamentar encontrou uma correlação entre alienação parental, violência doméstica e abuso sexual. No entanto, advogados e defensores da alienação parental pressionaram para que não fossem tomadas as medidas de proteção das vítimas. “Ao ignorar ou menosprezar a violência doméstica em uma família, não reconhecendo-as em suas decisões, os Tribunais apresentam violência doméstica como uma exceção e não como a norma nos casos de alienação parental”, afirma.
O documento ressalta que o fato de não ser levada em consideração a violência doméstica e familiar e a violência contra as crianças nas decisões sobre o regime de guarda e visitas constitui uma violação dos direitos da criança e do princípio dos melhores interesses da criança
Em 2022, o Comitê e a relatora especial instaram os Estados Partes a proibir expressamente a utilização da síndrome da alienação parental em processos judiciais, de modo a não colocar tanto as crianças como as mães numa situação vulnerável. Defenderam que isso poderia ser utilizado como um continuum da violência baseada no gênero e conduzir à responsabilidade do Estado pela violência institucional.
Ao final o documento elenca uma série de recomendações, entre elas que os Estados legislem para proibir a utilização da alienação parental ou pseudoconceitos semelhantes nos litígios de direito de família e o uso dos chamados especialistas em alienação parental e pseudoconceitos semelhantes. Que cumpram suas responsabilidades e obrigações positivas de acordo com o direito internacional de direitos humanos estabelecendo mecanismos de acompanhamento para monitorar a eficácia dos sistemas de justiça familiar para vítimas de violência doméstica intrafamiliar. Que garantam treinamento obrigatório para o judiciário e outros profissionais do sistema judicial sobre preconceito de gênero, dinâmica da violência doméstica e a relação entre as denúncias de violência doméstica intrafamiliar e alienação parental e pseudoconceitos semelhantes entre outros.
Confira o relatório Custódia,violência contra as mulheres e violência contra as crianças.
Edição: Marcelo Ferreira
Fonte: Brasil de Fato