Publicidade

Acordo entre Mercosul e União Europeia será assinado? Especialistas fazem suas apostas

16, junho 2023
European Commission President Ursula Von Der Leyen (L) speaks to members of the media next to Argentina's President Alberto Fernandez after a bilateral meeting at Casa Rosada in Buenos Aires on June 13, 2023. (Photo by JUAN MABROMATA / AFP)

Vantagem estratégica da aproximação dos blocos vai falar mais alto que os temores com pontos ambientais e comerciais?

Terminou nesta quinta-feira (15) o giro da presidenta da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, pela América Latina. Um assunto recorrente foi o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, um projeto de mais de duas décadas que andava em marcha lenta e foi retomado com velocidade depois que Luiz Inácio Lula da Silva voltou ao Palácio do Planalto.

Von der Leyen expressou diversas vezes durante a semana a intenção de ratificar o acordo até o final do ano.

Os presidentes do Brasil e da Argentina, Alberto Fernández, fizeram suas ponderações sobre a necessidade de aparar assimetrias, eliminar a ideia de impor sanções em caso de descumprimento de metas ambientais — novas demandas foram motivadas pelo aumento do desmatamento na Floresta Amazônica nos últimos anos, especialmente sob a gestão de Bolsonaro — e impedir empresas europeias de participarem de licitações públicas nos países do Mercosul em condições de igualdade com as empresas locais, o que, segundo o governo brasileiro, prejudicaria as pequenas e médias empresas locais.

Durante a viagem de Von der Leyen, a Assembleia Nacional da França aprovou uma resolução contra a ratificação do acordo. Ela não tem poder de lei, mas representa um revés político nas negociações, a poucos dias do desembarque de Lula em Paris, onde se encontrará com o presidente francês, Emmanuel Macron, nos dias 22 e 23 de junho. Há grande oposição ao acordo por parte de agricultores franceses e irlandeses, que temem maior competição com o aumento da importação de carne bovina para a Europa.

Além disso, os franceses reivindicam a adoção do Acordo do Clima de Paris como parâmetro para que os mesmos requisitos sanitários e ambientais que afetam os produtores europeus sejam impostos aos produtos importados, além da inclusão de mecanismos de sanção.

Entre as boas intenções e os obstáculos, será que o acordo será ratificado? O Brasil de Fato ouviu o diplomata de carreira Cesário Melantonio Neto, conselheiro sênior do Fórum Econômico Mundial e ex-embaixador do Brasil na Grécia, Cuba, Turquia, Egito e Irã, e a professora de Relações Internacionais na ESPM Denilde Holzhacker, especialista em Américas. Ele está otimista em relação à ratificação do acordo. Ela vê o cenário com mais cautela.

“A visita da Ursula foi muito produtiva. Acho que até o final do ano devemos assinar”, diz Césario Neto. Segundo ele, uma aproximação com a Europa seria importante para o Brasil se equilibrar entre China e Estados Unidos, que são os dois principais parceiros do Brasil, na esfera comercial, e dois pólos que parecem cada dia mais antagônicos do ponto de vista geopolítico e de segurança.

Mas o diplomata explica que os europeus também têm muito interesse na ratificação. “Com a guerra na Ucrânia, a União Europeia ficou meio espremida entre os EUA e a Rússia, apoiada pela China. Então ela precisa de terceiras vias”.

Dificuldades do governo Lula

Se a ratificação é de interesse de ambas as partes, por que há tantos entraves? O que os europeus, em particular os franceses, temem? Holzkacker acha que os europeus temem que o Brasil não cumpra as regras ambientais, e nesse caso o problema não se restringe ao histórico de desmatamento durante o governo Jair Bolsonaro.

“No governo Lula, apesar do esforço no discurso, as forças políticas no Congresso estão ainda atreladas a uma visão de que as questões ambientais não têm tanta importância. O esvaziamento dos Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas reflete a dificuldade do governo em implementar suas políticas”.

A professora explica que, em respeito a uma tradição da política externa brasileira, o governo não pretende assumir compromissos que possam implicar em necessidades de mudanças drásticas para as quais ainda não existe o ambiente necessário. Esse seria o pano de fundo para Lula ter se posicionado tão enfaticamente contra as sanções. “O governo brasileiro vai fazer uma contraproposta e vamos ver onde ficarão os limites entre a proposta e a contraproposta”, diz ela.

De todo modo, o fato de o Brasil não aceitar se submeter a sanções não quer dizer que ficaremos inertes na questão ambiental. “A medida em que o governo der mostras de que vai assumir esses compromissos, que vai diminuir o desmatamento, é um ponto importante para ganhar a confiança dos europeus. Precisamos dessa confiança antes de assinar um acordo tão duro, com regras tão difíceis para grande parte das empresas e exportadores brasileiros”, afirma, referindo-se ao protocolo adicional sobre questões ambientais, criado em março último pelos europeus.

Além da peleja ambiental, temos pecuaristas europeus temerosos do aumento da importação de carne bovina para a Europa. Temos também o governo brasileiro incomodado com o item sobre compras governamentais, que autorizaria empresas europeias a participarem de licitações públicas nos países do Mercosul em condições de igualdade com as empresas locais, pois isso prejudicaria as pequenas e médias empresas no Brasil. Esses temores fazem sentido? Podem impedir a ratificação do acordo?

50/50

“Podem impedir, sim”, responde Holzhacker. “Se o governo brasileiro decidir não aceitar o ponto sobre compras governamentais, seria preciso reabrir o acordo, o que levaria a uma renegociação de todas as partes e poderia inviabilizar a aprovação”. Do ponto de vista das negociação sobre o protocolo adicional, ela explica que os europeus aguardam a contraproposta do Mercosul e que pode haver avanços nas próximas semanas. Sobre suas perspectivas em relação à ratificação do acordo, ela responde: “Acho que as chances são de 50%”.

Atento às movimentações diplomáticas, o ex-embaixador Cesário Neto lembra que altos quadros da política alemã estiveram no Brasil recentemente, como o primeiro-ministro Olaf Scholz, a ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock, e o ministro do Trabalho, Hubertus Heil. Ele vê nisso uma sinalização positiva em relação à vontade política de ratificar o acordo, que deve se somar ao fato de Lula viajar para a França na próxima semana. “Se Paris e Berlim estiverem de acordo, a gente assina o acordo. São as duas maiores economias da Europa”.

Energias renováveis

Durante seu giro pela América Latina, Ursula Von der Leyen anunciou e firmou acordos para aumentar a cooperação em energias limpa e matérias-primas sustentáveis, como o lítio — metal ultraleve para baterias de veículos elétricos — e o hidrogênio verde, que é derivado da água e extraído com o uso de energia elétrica renovável para quebrar a molécula e separar o hidrogênio gasoso do oxigênio — atualmente, a extração do hidrogênio é feita principalmente de matrizes de origem fóssil, como gás natural, petróleo e carvão.

Quando esteve com Lula, a presidenta da Comissão Europeia anunciou o investimento de 2 bilhões de euros para apoiar a produção desse tipo de hidrogênio verde pelo Brasil, e promover eficiência energética na indústria brasileira. Ao passar pelo Chile, assinou um fundo para financiar projetos de produção e utilização de hidrogênio renovável, que combina uma doação de 16,5 milhões de euros da Facilidade de Investimento da União Europeia para a América Latina e o Caribe (UE- LACIF) com 200 milhões de euros em créditos do Banco Europeu para Investimentos.

Segundo ela, esse tipo de acordo é um avanço porque a demanda global por hidrogênio verde está crescendo. “Só para dar um exemplo, a UE decidiu que até 2030 não só produzirá 10 milhões de toneladas nacionais de hidrogênio verde, mas também importará 10 milhões por ano. E precisamos de países amigos que o produzam”.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

Fonte: Brasil de Fato